Em uma movimentação pouco esperada, a Pac-12 anunciou, na última quinta-feira (12/09), a adição de quatro programas da Mountain West: Boise State, Colorado State, Fresno State e San Diego State. As adições ocorrerão formalmente a partir de 2026, justamente quando acaba o período de dois anos para que a Pac-12 volte a ter, no mínimo, oito integrantes para continuar sendo considerada uma conferência de 1ª divisão.
O preço pelas adições não será nada barato: estima-se um custo total de até 111 milhões de dólares para tirar os quatro programas da Mountain West, o que inclui taxas em torno de 17 milhões por faculdade para deixar a conferência. O valor para pagamento será diluído entre a Pac-12 e as quatro novas ingressantes.
Porém, talvez tão interessante quanto a notícia são as suas razões. Qual é o sentido dessa movimentação? Por que ela aconteceu? E por que só agora? A Pac-12 não tinha acabado? Este texto servirá para explicar os principais pontos envolvendo a nova etapa no realinhamento de conferências.
Começando pelo básico: como chegamos até aqui
Em agosto de 2023, a Pac-12 chegou ao ponto mais baixo de sua história, o que culminou na saída de 10 dos 12 integrantes da conferência, restando apenas Oregon State e Washington State. Abandonadas no realinhamento, para elas havia três alternativas: receber convite para uma conferência do Power 4 (o que até agora não aconteceu), fazer uma “fusão reversa” com a Mountain West (Beavers e Cougars sendo incorporados à Mountain West, com esta sendo renomeada como Pac-12) ou reconstruir a conferência de maneira autônoma.
Antes disso, porém, Oregon State e Washington State precisavam evitar a dissolução definitiva da Pac-12. Com 10 das 12 faculdades de saída, estas poderiam convocar uma reunião para formalizar a dissolução da conferência (o que significaria o seu fim) e dividir seu espólio (cotas de TV, patrimônio, etc.) entre as 12 faculdades. Beavers e Cougars entraram na justiça americana para obter somente para elas o controle administrativo da conferência, já que eram as duas únicas faculdades restantes, e venceram.
Porém, isso só impedia algo extremo de acontecer naquele momento. Pelas regras da NCAA, conferências com menos de oito membros não funcionam de maneira plena. Elas existem no sentido administrativo, mas não no esportivo. Por exemplo, a Pac-12 com apenas dois membros não tem direito a mandar seu campeão para os playoffs em qualquer esporte. No futebol americano, por exemplo, Oregon State e Washington State só podem chegar ao playoff de 12 times de maneira “independente”. A NCAA dá um prazo de 2 anos em que a conferência pode funcionar com menos de oito integrantes (no caso da Pac-12, 2024 e 2025). Em 2026, caso continue com menos de oito equipes, ela deixará de ser considerada uma conferência de 1ª divisão.
Para operar no sentido esportivo de maneira temporária, Oregon State e Washington State fecharam dois acordos. Um deles, com duração de 2 anos, garantiu abrigo esportivo temporário na West Coast Conference (WCC) para a maioria dos esportes, incluindo o basquete. O outro, com duração de um ano (renovável por mais um), foi com a Mountain West para fechar o calendário no futebol americano em 2024. O acordo prevê pagamento de 14 milhões de dólares por parte de Beavers e Cougars para um total de 12 jogos entre Pac-12 e Mountain West (seis para cada). Havia um acordo informal entre as conferências que estabelecia um prazo-limite até 1º de setembro de 2024 para uma renovação de calendário para 2025. Porém, isso não aconteceu.
Dias depois, a Pac-12 acertou acordo com quatro dos principais programas da Mountain West e encerrou de vez qualquer debate sobre uma possível fusão entre as conferências.
Por que a “fusão reversa” não aconteceu?
Conversas em Las Vegas no mês de julho, quando foram realizados os media days das conferências, apontavam claramente que uma espécie de “fusão reversa” entre Mountain West e Pac-12 estava muito distante de acontecer. Oregon State e Washington State chegaram a falar publicamente que não possuíam interesse em ingressar na Mountain West, enquanto a Mountain West se irritava por ser considerada “a última opção” para Beavers e Cougars.
Além disso, as duas faculdades da Pac-12 não gostaram da rigidez de tratamento oferecida pela Mountain West, sobretudo através da sua comissária Gloria Nevarez. Isso ficou refletido no acordo de calendário com a Mountain West para 2024: Oregon State e Washington State irão pagar (os jogos ainda não aconteceram), em média, mais de 1 milhão de dólares por jogo para cada adversário da Mountain West – valor razoavelmente superior aos pagos na média para times do Group of Five. Isso para ter um calendário qualitativamente bem inferior aos times do Power 4 e não ter qualquer possibilidade realista de chegar ao playoff – a fraqueza do calendário torna praticamente impossível a Beavers e Cougars chegarem lá como independentes. Principalmente por essas razões, o acordo entre as conferências, bastante desvantajoso para a Pac-12, não foi renovado para 2025.
É fato que, desde antes desses acontecimentos, tanto Beavers quanto Cougars já deixavam todas as possibilidades em aberto, incluindo a de serem convidadas para uma conferência do Power 4, com a Mountain West nitidamente sendo a última opção. Como pano de fundo, ainda está em andamento a batalha jurídica de Florida State e Clemson para deixarem a ACC, o que poderia abrir a possibilidade de pegar programas de uma ACC fraturada. Porém, Oregon State e Washington State não tinham tempo para esperar essa definição.
Sem poder esperar a possibilidade de serem convidadas para uma conferência do Power 4 ou de aguardar a resolução nos tribunais da briga envolvendo a ACC e claramente considerando a adesão à Mountain West como última opção, a única alternativa viável era buscar a reconstrução da Pac-12. Fontes afirmam que a conferência já vinha em contato com faculdades da Mountain West antes, mas essas negociações aceleraram nas últimas 72 horas antes do anúncio oficial.
Quais são as razões da movimentação pelos envolvidos?
Houve uma concordância mútua entre as seis universidades: deixar para trás os chamados “pesos mortos” que rebaixavam o nível técnico da Mountain West. Em 2023, por exemplo, três times da conferência figuraram entre os piores da 1ª divisão: Hawai’i, Nevada e New Mexico. A última vez que a Mountain West mandou um representante para um Bowl de Ano Novo foi em 2014, com Boise State.
Sem esses “pesos mortos”, é possível que a Pac-12 tenha um calendário mais forte e um contrato melhor de TV (o da Mountain West gira em torno de 5 milhões de dólares anuais por faculdade). O objetivo principal, porém, mira no playoff de 12 times. A simples classificação de um time para o playoff garante quantias monetárias adicionais a quem participar. Essa possibilidade se torna mais provável com uma conferência mais fortalecida. A tendência é de que essa nova Pac-12 compita com a American para ser “a quinta conferência” e dispute a 12ª vaga no College Football Playoff.
Quais são os próximos passos?
A Pac-12 ainda precisa de, ao menos, mais dois integrantes para chegar ao número mínimo exigido pela NCAA até 2026. Além disso, a conferência precisa de um novo contrato de TV. Agora com uma perspectiva realista de sobrevivência, as estimativas apontam a busca de um contrato que gire em torno de 10 milhões de dólares por ano por faculdade – valor baixo se comparado com todas as conferências do Power 4, mas levemente superior ao contrato da American.
Segundo a comissária Teresa Gould, a conferência não trabalha com um número específico de membros para o futuro, mas a tendência é de que ela seja inicialmente mais enxuta. Também segundo ela, a Pac-12 conseguiu assegurar 65 milhões de dólares das saídas dos outros 10 integrantes pra poder investir na reconstrução da conferência, valor que já será utilizado para trazer as novas quatro ingressantes vindas da Mountain West.
Não está descartada a possibilidade de novos times da Mountain West serem trazidos, já que o foco inicial da Pac-12 era trazer os programas que eram de fato as prioridades. UNLV é o programa de mais relevância dos que não entraram dessa vez e tem como ponto forte o mercado de Las Vegas, mas possui uma encruzilhada: ela compartilha o mesmo conselho de regentes com Nevada, faculdade de baixo interesse para um realinhamento. É possível que uma só vá caso a outra também entre. Air Force é outro programa relevante, mas um possível encaixe para a Força Aérea seria a American, que já conta com as outras duas academias militares, Army e Navy. Os demais programas da Mountain West são considerados de baixa relevância para consideração.
Também está na mesa a possibilidade de tirar programas da American, no momento uma possível concorrente direta a uma vaga no playoff. Entre alguns programas cogitados, estariam Memphis, Tulane, UTSA e South Florida. Porém, estas adições esbarram na provável baixa diferença entre figurar em uma ou outra, já que nenhuma das duas é uma power conference. Além disso, os valores financeiros entre o contrato de TV de uma e outra é baixo, o que torna mais difícil convencê-las a trocar uma conferência geograficamente mais acessível por outra mais distante.
Recém-integradas à ACC, California e Stanford, por enquanto, são possibilidades muito remotas. Embora haja fatores relevantes que poderiam levá-las a reconsiderar suas posições, como a posição geográfica e um valor de contrato de TV com pouca diferença econômica inicial (Cal e Stanford começam recebendo apenas 30% do valor integral das cotas de TV da conferência, valor que sobe com o decorrer dos anos), pouco se sabe se há um interesse real destes programas em um possível retorno. Além disso, a ACC é considerada uma power conference e a Pac-12 não, além de várias faculdades da ACC serem academicamente mais relevantes – como Duke e North Carolina -, o que muitas vezes também é um fator.
Outro aspecto problemático é que a ACC já faz jogo duríssimo para impedir a saída de membros, vide as batalhas judiciais contra Florida State e Clemson. A conferência precisa de pelo menos 15 integrantes para seguir como uma power conference e manter seu contrato de TV com a ESPN americana, e as adições de Cal e Stanford também foram pensadas nesse aspecto. Caso a ACC se desintegre, o cenário pode mudar, mas não há garantia de que a questão tenha uma resolução a curto prazo.
E as últimas alternativas seriam as mais criativas:
- Trazer Gonzaga, faculdade sem time de futebol americano, mas potência no basquete. Conta a favor o fato de ficar no estado de Washington e ser geograficamente próxima, além de exigir uma quantia menor nas cotas de TV justamente por não ter um time de futebol americano. Com ela, poderia trazer a rival de West Coast Conference, St. Mary’s, caso seja desejo da Pac-12 de também utilizar o basquete como plataforma (vale ressaltar que Oregon State e Washington State irão competir na WCC nos outros esportes pelos próximos 2 anos);
- Pegar programas proeminentes diretamente da FCS, como North Dakota State, South Dakota State, Montana, Montana State, Idaho e Idaho State. Essas alternativas são menos prováveis no momento.
E a Mountain West?
As perdas reduzem a conferência a oito membros, praticamente nenhum com relevância, e encerram quase de vez as chances da Mountain West de ser uma “quinta conferência”, rivalizando com a American. É provável agora que a competição em relevância se equipare a Sun Belt, Conference USA e MAC. É possível que a conferência ainda seja alvo de novas perdas, seja para uma nova expansão da Pac-12, seja até mesmo para a American – sobretudo Air Force – ou até mesmo para as rivais mais imediatas, como Conference USA e Sun Belt.
É bem provável que a Mountain West corra atrás de novos programas para repor as perdas, turbinada pelo valor de mais de 100 milhões de dólares que irá receber de multas e penalidades pelas saídas das quatro faculdades para a Pac-12. As adesões mais prováveis seriam:
- UTEP: faculdade no extremo oeste do Texas com tradição de enfrentar times da Mountain West. Joga numa limitada Conference USA e não seria um encaixe geográfico difícil;
- New Mexico State: outra faculdade da Conference USA, também tem tradição em enfrentar times da Mountain West e é rival de New Mexico, integrante da conferência.
- Times da FCS: o que vale possivelmente como última alternativa para a Pac-12, para a Mountain West talvez esteja entre as principais. Os nomes mais prováveis seriam North Dakota State, South Dakota State, Montana, Montana State, Idaho, Idaho State e talvez até Eastern Washington – vários deles com condições de entrarem e já serem os principais times da conferência. Idaho, inclusive, jogou na 1ª divisão entre 1996 e 2017, indo para a Bowl Season três vezes.
É improvável que a Mountain West acabe. Conferências menores trabalham em uma lógica diferente. Geralmente elas perdem seus principais programas para conferências maiores e repõem as perdas com times de conferências menores ou até mesmo das divisões inferiores, como os da FCS. Já as conferências da FCS fazem a mesma coisa pegando times de conferências menores da FCS ou até da Division II e assim por diante.
Entre 2022 e 2023, a Conference USA perdeu 9 dos seus 14 integrantes e também chegou a ficar ameaçada de acabar. No entanto, a conferência repôs as perdas com a adesão de equipes independentes, como Liberty e New Mexico State, e também trouxe times da 2ª divisão, como Sam Houston e Jacksonville State. Aliás, a C-USA é o exemplo perfeito de uma conferência “de transição”: mais de 1/4 dos 134 times da 1ª divisão jogam ou já jogaram na conferência, incluindo programas como Cincinnati, Houston, Louisville, SMU e TCU, hoje times do Power 4.
Dissertando: o que significam essas mudanças e o que o futuro nos reserva?
Para a Pac-12, a movimentação significa, sobretudo, a sua sobrevivência. Óbvio que a garantia de fato de que continuará existindo depende do novo contrato de TV que a conferência firmar com uma ou mais emissoras de TV, mas dificilmente teremos a repetição do cenário da Big East na década passada, quando ela chegou a anunciar a adesão de cinco faculdades para 2013, incluindo Boise State e San Diego State, mas não sobreviveu para que esses movimentos se materializassem na prática. Porém, essas adesões já garantem um cenário mais positivo para a Pac-12 e incentivam as possibilidades para a entrada de novas equipes.
É improvável que a nova Pac-12 volte a ser uma power conference como no passado. A tendência é de que passe a ser uma conferência do Group of Five (ou Six), brigando por uma vaga no playoff como quinto campeão de conferência. Contudo, a movimentação finalmente é uma boa notícia em meio a tantas derrotas nos últimos anos. A conferência sofreu muito nos últimos anos com dirigentes arrogantes, incompetentes e incapazes de projetar a Pac-12 para o futuro. Como consequência, as faculdades foram saindo uma a uma – algumas até a contragosto – até chegarmos ao atual estado de coisas. Porém, bastou finalmente ter uma comissária – Teresa Gould -, em vez de um pateta que formou uma “aliança” sem qualquer materialidade com Big Ten e ACC (pra pouco tempo depois ser traída pela B1G), que a Pac-12 finalmente passou a andar pra frente.
O simples fato de existir uma conferência mais relevante na costa oeste – uma região muito grande e que simplesmente não poderia ficar órfã disso – já garante a possibilidade de um futuro mais promissor. As adesões de California e Stanford, por enquanto, são improváveis, mas nada garante um possível movimento de retorno no futuro, caso a ACC encontre problemas. O mesmo vale para alguns programas que saíram em direção à Big 12, notadamente Utah e Arizona State, que o fizeram a contragosto.
Também pode ocorrer o contrário: nada garante que, depois de todo esse esforço para salvar a Pac-12, não sejam as próprias Oregon State e Washington State a serem convidadas para uma conferência do Power 4 no futuro e deixem a conferência também. É possível. Porém, dessa vez elas possuem alternativas e ganham tempo para possíveis mudanças nos esportes universitários que venham a ocorrer no futuro.
Para a Mountain West, as saídas representam uma perda gigantesca no seu valor e representam uma oportunidade perdida na busca por relevância. Porém, aqui vai quase que o mesmo papo pra todas as conferências do Group of Five: é hora de reconstrução. Com mais de 100 milhões de dólares no caixa para receber em rescisões pelas perdas, não será difícil convencer outros programas a entrarem na sua conferência – e abre uma possibilidade real para finalmente trazer programas das Dakotas (do sul e do norte), de Montana e de Idaho para subirem à 1ª divisão e elevarem o nível da conferência. Só nesse ano, Idaho fez jogo duro contra Oregon e venceu Wyoming. North Dakota State quase venceu Colorado. Certamente são programas que teriam muito a acrescentar à Mountain West e ao College Football.
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